sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

A entrevista

A entrevista estava confirmada para a primeira hora da manhã daquela segunda-feira. O final de semana foi de total apreensão. Daquela vez tinha que dar certo, o sujeito botava todas as suas fichas naquela entrevista. Desempregado desde que a crise começara há cinco anos. Vivia de bicos. Motorista esporádico porque não tinha condução própria para se inscrever naquele aplicativo, De tudo um pouco ele já fizera para ajudar a providenciar o pão. Ainda bem que não tinham filhos, já pensou? Tal opção foi adiada. Ele sabe que a esposa anda preocupada porque os anos vão passando e os médicos ficam lhe enchendo a cabeça que com a idade, não é mais aconselhável e blá, blá, blá. Caraca! A moça dá um duro danado como auxiliar na área da saúde. Já pensou se não fossem os seus ganhos fixos. Apesar de pouco é o que vem sustentando o aluguel e as demais despesas, já que sua renda não existe, é esporádica, dia tem, dia não, semana tem, semana não e por aí vai. Por isso a importância daquela entrevista. Ele se preparou. Leu tudo sobre a empresa, seu histórico, sua maneira de agir, filiais e até o número de reclamações trabalhistas ele pesquisou. No boteco, ele ouvira algum tipo de reclamação de alguns funcionários que lá trabalhavam. Não deu ouvidos ao que diziam de ruim. Tudo contava. Chegado o dia, a esposa saiu cedinho para o trabalho, a roupa pronta sobre a cama, calça limpa e camisa de manga. O homem passava os dias de bermuda e camiseta. Roupa social era coisa rara naqueles tempos. Apresentou-se na guarita e foi encaminhado à recepção. Assustou-se com a quantidade de pretendentes, apesar de já esperar uma concorrência brava em tempos ruins, não imaginava que fossem tantos. Não se deu por vencido, uma daquelas vagas tinha que ser sua. Afinal ele topava qualquer função das oferecidas. Pesava contra não ter experiência na área, achou irrelevante. Entregou o currículo à equipe na recepção e acomodou-se numa fila de cadeiras no corredor largo à espera de ser chamado. Atento aos que saiam, em nenhum notou manifestação, nem de alegria e nem de decepção, o que o deixou meio cabreiro, afinal, o que estaria acontecendo. Chegada a sua vez um senhor com voz dura fez algumas perguntas rápidas de praxe, como disponibilidade, traslado e coisas assim. Foi encaminhado à psicóloga na sala ao lado. Ali ele tremeu as bases onde achava que tiraria de letra. A profissional, com o currículo dele aberto sobre a mesa, foi muito profissional e o assustou. Os anos fora do mercado formal lhe foram cruéis e os curtos períodos nos empregos anteriores também. Foi dispensado com o aviso de que, em alguns dias, receberia em casa pelos correios o aviso sobre a contratação.

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